A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Saudade de tudo aqui (16/10/2015)

Os filmes que Renato assistiu serviram para distraí-lo na viagem longa em que estava com dificuldade de dormir. Para quem o conhece, sabe que dormir não lhe é uma atividade difícil, então para que essa situação estivesse ocorrendo é que a coisa estava realmente complicada. De qualquer forma, Mad Max clássico e original, Exterminador do Futuro clássico e original, com Mel Gibson e Arnold Schwarzenegger respectivamente em seus tenros anos, foram a carga de adrenalina e testosterona que permitiram que seu ego o autorizasse ver Magic Mike XXL. Se não sabe o que é, dê um Google; já adianto, é vergonha alheia.

O avião chegou no Brasil pouco depois das seis da manhã e o desembarque ocorreu sem problemas. O rapaz não continha o sorriso ao simplesmente ouvir português como ruído de fundo e por ter dito "Obrigado!" ao invés de "Thank you!" ao servente que limpava o chão do banheiro que utilizou.

Elza, talvez tão ansiosa quanto ele pelo retorno do filho, havia enviado uma mensagem dizendo que iria buscá-lo no aeroporto. Por Whatsapp mesmo se acertaram e ainda deu tempo de Renato comprar uns agrados para o pessoal no Duty Free antes de acessar a área de desembarque. Quando encontrou sua mãe, ele desatou a falar. Falar muito, falar português, tagarelar como se precisasse expulsar todo o peso da viagem através de palavras da língua de Camões.

Os dois saíram de lá e foram para a casa dela para tomarem café da manhã. A pequena Babi, cadela yorkshire de sua mãe, também fez sua parcela de festa para o rapaz quando o reencontrou e foi retribuída. Renato pensou em ligar o notebook e trabalhar naquele dia, mas desistiu quando cogitou abrir o zíper da mochila em que o computador estava. A estafa mental venceu o ímpeto workaholic e o convenceu de que ele merecia tirar este dia 23 para si.

Depois de desfazer parte da mala, principalmente se livrando da roupa suja, ele esticou as costas por alguns instantes no sofá enquanto avisava a todos que já estava por estas bandas: Paloma, Alice, Abel, primos e amigos. Para o almoço, Elza o convidou para irem a um self-service ali perto, uma vez que era sabido por ambos que nenhum dos dois cozinharia.

Com tanto de história para contar, mãe e filho terminaram a refeição e ainda não tinham posto o papo em dia. Entretanto, ele havia marcado com a namorada para revê-la também e ficaria atrasado se demorasse mais. Deixou a senhora em casa e seguiu para Guarulhos.

Impossível não sentir nostalgia ao estacionar na mesma rua de sempre e ligar para Alice descer. Esses eram momentos que precediam alegria e Renato não fazia isso havia meses. A saída da moça pelo portão do condomínio arrancou um sorriso dele, o que escancarou um sorriso nela. Se abraçaram e se beijaram, sem pressa. A saudade escorria pelo meio-fio, lavada pela chuva do toque de um em outro.

Conforme haviam marcado, seguiram para um shopping ali perto onde havia uma sorveteria. Caminharam de mãos dadas por todos os corredores vazios de lá, notadamente comentado por ela: "Só a gente mesmo para estar em plena sexta-feira à tarde passeando sem rumo no shopping...".

Com um dia de apenas 24 horas, seria impossível Renato satisfazer todas suas vontades. Ele queria permanecer ali, assim como queria ter ficado papeando com Elza no almoço, mas havia um terceiro evento no dia (desta vez surpresa para ele), com Paloma. Despediu-se calorosamente da namorada quando o sol se aproximava do poente, já na iminência de se atrasar para o próximo compromisso.

Uma vez na casa de sua mãe, encontrou a irmã e Thiago, namorado dela, e o trio partiu para uma rota desconhecida. No caminho, passaram para pegar o melhor amigo de Renato, Vítor. Anunciada um dia antes da viagem do rapaz para Israel, a surpresa valeu a pena ser esperada: eles foram a uma hamburgueria temática de Star Wars, a saga favorita de aventura com ficção científica do nosso protagonista. Fotos, muita comida e risada resumem bem aquele presente que recebeu da irmã. De quebra, saiu de lá com um par de havaianas também de Star Wars.

A noite, que era pra terminar alegre sozinho em sua cama, ainda foi costurada de última hora em mensagens de celular para terminar em um motel junto com Alice.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

De volta para casa (15/10/2015)

O despertador até tocou mais tarde que nos últimos dias, mas esse não foi o motivo principal de Renato ter pulado da cama sem apertar a função "soneca" do celular. Era dia de ir embora, de voltar pra casa, de ver novamente sua família, de abraçar Alice, de respirar Brasil!

Tratou de botar uma playlist de músicas eletrônicas empolgantes e começou a arrumação da mala. Separou o que vestir e o resto foi dobrado e colocado na bagagem. Tomou um banho, colocou a roupa confortável reservada, conferiu o quarto uma última vez e desceu para o lobby três minutos antes do meio-dia, horário combinado de se encontrarem para partir. Os companheiros de viagem ainda demoraram quinze eternos minutos para aparecerem prontos ali. Check-out realizado, táxi na porta, era hora de partir.

Como tudo relacionado a segurança em Israel, a ida ao aeroporto era um pouco burocrática. Nos arredores, um agente de segurança parou o veículo e coletou os passaportes, fazendo perguntas como "Qual o seu nome?", "Para onde estão indo?", "Quanto tempo ficaram aqui?", "Qual o seu nome mesmo?". Liberados, os três rumaram até a entrada do terminal internacional e outro agente de segurança pediu os passaportes. Se você adivinhar as perguntas que foram feitas, é um gênio.

A fila para despacho de bagagens já estava formada e parecia maior que o de costume para apenas um voo, que partiria dali três horas. Não demorou muito para que o trio descobrisse que MAIS UMA ETAPA de verificação de segurança se passaria ali, e na vez deles, quase uma hora depois, é que perceberam que era a mais rígida até então. Além das perguntas de praxe, vieram coisas como "Em que hotel vocês ficaram?", "Qual a relação entre os três?", "Por que a mala dele [apontou para José] é maior que a de vocês?", "O que vieram fazer em Israel?" e um momento em que o agente pegou os passaportes e sumiu, deixando-os lá plantados e com cara de perdidos.

Quando voltou, o policial devolveu a documentação e liberou todos para seguirem. Não deu satisfação do que fora fazer, nem eles quiseram perguntar. Despacharam a bagagem e receberam o cartão de embarque, em que Renato notou algo curioso: o horário de embarque era meia hora mais tarde do que o horário previsto inicialmente para a decolagem. O voo estava atrasado.

Como ninguém tinha almoçado ali, eles se sentaram para comer e passaram a discutir as possibilidades. Dado o voo de conexão em Munique que deveriam pegar, era real a chance de que não chegassem lá a tempo e ficassem 24 horas na Alemanha. A notícia alegrou José, que via o lado turístico da coisa, e Mateus, que vislumbrava a oportunidade de encontrar a filha que estudava lá há seis meses. O viés de Renato, contudo, era o da saudade. E sob esse prisma, a torneira do desespero começava a pingar suas primeiras gotas na bacia da paciência.

Há quinze minutos do embarque, o rapaz foi se informar no balcão da Lufthansa sobre os atrasos, já que tinha observado no painel de voos que mais de um trajeto dessa companhia havia atrasado. Polidamente, mas seca como uma folha caída no chão do parque, a funcionária informou que não tinha nada que pudesse fazer e que eu deveria torcer para que me esperassem lá. Torcer... Ok! Renato queria é torcer o pescoço da criatura, mesmo que ela não fosse culpada, só para aliviar a raiva acometida pela falta de empatia da moça com ele.

Embarcado e ansioso, ele não conseguiu fechar o olho nas pouco mais de três horas que ligavam Tel Aviv e Munique. Leu o que pôde, ouviu música, batucou, jogou no iPad, foi ao banheiro, tudo o que fizesse o tempo psicológico correr mais rápido. Depois da aterrissagem, literalmente correu pelos corredores do aeroporto (trocadilho inevitável), passou pelos detectores de metal, enfrentou esteiras e venceu o batimento cardíaco que ameaçava explodir.

No fatídico portão H48, que ele jurava ser do outro lado do terminal, dado o tanto que havia atravessado, viu que seu voo para casa estava lá a esperá-lo. Quis chorar de emoção o garoto, ao sentir o cheiro de feijão inventado pela sua cabeça para celebrar a certeza de que em 12 horas estaria em casa. Além de relaxar os olhos, relaxou a bexiga e sentiu uma vontade louca de ir ao banheiro. Relaxou o estômago e viu que uma fome excruciante agredia sua barriga. Relaxou o corpo e sentiu um sono tremendo. Mas nada disso importava de fato, a não ser a alegria de encontrar seu lar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um banho no Mediterrâneo (14/10/2015)

Último dia completo em Israel. Renato se apegava a esse tipo de conta para aliviar a mente da estafa completa que ficar longe do Brasil estava lhe causando. Na prática, ele demoraria mais de 48 horas para desembarcar em solo tupiniquim, mas quanto menor parecesse esse tempo, melhor.

A programação do dia era técnica novamente. Visitariam uma fábrica de equipamentos e depois uma estação de tratamento de esgotos e tudo o que tinham para fazer ali no Oriente Médio naquela viagem estaria encerrado!

No café da manhã, receberam um fornecedor que foi contatado na feira do dia anterior, para discutirem um projeto piloto. Dispensado o visitante, pegaram um táxi e partiram para a dita fábrica. O rapaz ia pelo caminho se despedindo internamente dali com uma pontinha de melancolia até, como quem queria que Tel Aviv fosse do lado de Ribeirão Preto: longe o suficiente para ter saudade e perto o suficiente para poder voltar.

Na fábrica, assim como na feira, mais tecnicalidade. Bombas d'água, turbinas, tornos mecânicos, fresas, testes, laboratórios. Tédio. Na estação de tratamento idem, com a diferença de que houve uma apresentação institucional antes e alguns biscoitos gostosos para forrarem o estômago no finzinho da manhã.

As atividades obrigatórias do dia se encerraram pouco depois do meio-dia, pelo que o trio seguiu para almoçar em um restaurante italiano. Nesse sentido, a cidade em que estavam hospedados parecia com São Paulo, bastante cosmopolita em seus habitantes e em sua gastronomia. Renato comeu um bom prato de espaguete ao molho bolonhesa para instantaneamente voltar pra casa pelo paladar. Nada de temperos estranhos ou animais como cordeiro ou peixes locais; em seu lugar, farinha de trigo, água, tomate e carne moída. Só. Pronto. É isso de que precisava.

De volta ao hotel, José antecipou o convite para saírem, dado que não eram cinco da tarde ainda. Só que dessa vez, veio com uma ideia diferente.

- Pessoal, vamos à praia mergulhar no Mar Mediterrâneo?

Renato logo consentiu, como todos esses dias vinha fazendo. A surpresa foi a empolgação com que Mateus também se dispôs a ir também. Parecia o Chaves sendo convidado para algo divertido:

- Pô, podemos descer, ficar um pouco na areia, tomar um banho de mar, quem sabe tomar um sorvete... - "e zás, e zás!" nosso caro protagonista completou dentro da própria cabeça a frase do gerente, abrindo um riso contente.

Após um tempo não mais que suficiente para se trocarem, lá estavam os três a pé a caminho da orla, que ficava a três quarteirões dali. O dia estava agradável, ameno e com poucas nuvens, apesar de ventar bastante, clima mais que convidativo para lavar a alma em água salgada.

O rapaz foi o primeiro a se despir e, de sunga, entrar no mar. Para seu espanto e prazer simultâneos, a temperatura ali dentro era gostosa, diferentemente das águas geladas do litoral carioca a que estava acostumado. Nadou menos de cinco minutos até Mateus aparecer ao seu lado, em êxtase. José veio em seguida, por último, confiando que ninguém mexeria nas coisas deixadas sobre a areia, atitude pouco usual para brasileiros.

Como três adolescentes, bateram os braços, afundaram e voltaram, pegaram "jacaré" nas ondas, contaram casos, se divertiram. A comemoração perfeita e um excelente grand finale para aquela jornada meio mundo além do conforto do lar. De quebra, conseguiram observar da areia o pôr-do-sol no mar, enquanto se secavam aos pulos por terem esquecido de trazer toalha. Renato deixou escapar que "realmente, aqui o sol não nasce na água, ele se põe...", mesmo sendo evidente aos olhos. Não houve resposta. Estavam todos hipnotizados.

No hotel já à noite, uma banheira morna aguardava o rapaz. Ele se permitiu quase cochilar dentro dela, último rito de despedida da Terra Santa. Amanhã, 17 horas de viagem entre aeroportos e conexões.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Feira de tecnologia (13/10/2015)

Israel é um polo de tecnologia. Sem recursos naturais em abundância no terreno, com um solo complicado para ser plantado ou feito de pasto somados a uma disputa territorial quase centenária, o país encontrou na venda de conhecimento técnico uma fonte de renda perfeita para sustentar sua prosperidade.

Associando essa capacidade à escassez de água típica do Oriente Médio, os israelenses se tornaram pioneiros em desenvolver inovações para o setor em que Renato trabalhava, e a feira que o trio foi visitar era a reunião dos principais fabricantes com as startups mais promissoras em um ambiente de busca por negócios lucrativos para compradores e vendedores.

Sinceramente, descrever o que aconteceu ali naquele dia parece pouco interessante. Engenheiros falando de engenharia o tempo todo, cheio de termos técnicos e chatices específicas da profissão. Do que realmente vale a pena registrar, houve a refeição de uma coxa de frango, duas colheres de arroz, salada e um suco que custou R$ 60 por cabeça, um absurdo!

De volta ao hotel ao fim do dia, José mais uma vez procurou companhia para abandonar a claustrofobia do quarto em que estava, mas hoje nem Renato quis acompanhá-lo. Hoje ele tinha um compromisso agendado já: falar com Alice via Skype. Chegou, tomou banho, vestiu pijama, deitou e ligou o aplicativo no tablet, na tela em que via a moça morena de olhar cansado sorrir e falar completamente rouca.

Do pouco que conseguiu compreender da conversa, visto que a conexão de internet do hotel estava mais instável que humor de bipolar, ela havia gritado tanto nas festas da viagem que fizera que sua voz não a acompanhou de volta à capital. Viria provavelmente dali dois dias. Entre imagens pelo iPad e textos pelo Whatsapp, eles se devotaram um ao outro por pouco mais de uma hora.

Após esse tempo, cansados, se renderam e assumiram que deveriam mesmo é ir dormir. Ainda ficaram os últimos três minutos em silêncio, apenas olhando um ao outro, talvez esperando que adormecer com aquela visão os fizessem acordar na mesma cama no dia seguinte. Pelo menos foi a essa fantasia que Renato se apegou quando fechou os olhos e desejou sonhar com aquela mulher.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Fórum em Jafa (12/10/2015)

O segundo dia de trabalho efetivo do trio de viajantes constituiu-se da participação em um fórum técnico oferecido por um dos fornecedores da empresa em que trabalham. O local do evento era um restaurante elegante no alto de uma cidade de quase quatro mil anos de existência, conurbada com Tel Aviv, chamada Jafa. Aliás, uma questão interessante é a nomenclatura da cidade: os judeus a chamam de Yafo, os anglófonos de Jafa e no Brasil se conhece por Jope. Manterei o nome internacional.

Saindo de táxi do hotel após o café da manhã, eles foram levados ao suposto endereço mostrado ao motorista, que compreendia muito mal o inglês. Chegaram, pagaram, desembarcaram, olharam para um lado e para o outro e não se acharam. Não havia referência nenhuma a restaurante ou fórum de qualquer natureza na esquina em que foram deixados.

Mateus perguntou pelo nome do local a um vigia de estacionamento que observava a cara de perdido dos três, pelo que foi orientado a descer aquela rua e subir a seguinte. Debaixo de um sol de mais de 30 °C pouco depois das 9 horas da manhã, a tarefa não foi fácil. No ponto final da indicação recebida havia apenas um bar começando a abrir as portas. Desta vez, Renato foi se informar e curiosamente o atendente que arrumava as cadeiras na varanda falou que eles deveriam voltar por onde tinham vindo: o restaurante era na outra ponta da colina.

Viraram as costas desolados em terem que andar tanto a mais vestidos de social e avistaram outra pessoa que não parecia ser dali. José teve a presença de espírito de indagar "Fórum?" ao desconhecido, e recebeu um aceno positivo com a cabeça. Pelo menos não eram apenas o jovem e seus colegas de trabalho que estavam perdidos.

Depois de muito discutirem sobre a melhor rota, Mateus conseguiu contatar uma funcionária da empresa organizadora, o que vinha tentando desde que descera do táxi. Ela se comprometeu a buscá-los onde estavam e realmente apareceu em coisa de cinco minutos.

Seguindo os passos da moça, eles acharam o espaço, algo que perceberam que não fariam sozinhos: atrás de um pergolado cheio de folhas e sem sinalização havia uma passagem que dava ao evento.

Uma vez lá dentro, não demorou para que, após um breve período de networking, iniciassem-se as apresentações. Eram slides e explanações mais políticas do que técnicas, com todos adulando e se derretendo em elogios à companhia anfitriã do fórum. Inclusive Renato e Mateus, que não acreditavam na ferramenta adquirida, fizeram sua parte no teatro quando estiveram à frente da plateia.

O dia inteiro foi assim, com uma pequena pausa para almoço. Por volta das 4 da tarde, encerrada a última apresentação, o presidente da empresa convidou a todos para um city tour a pé pelo centro histórico de Jafa. Renato animou-se e sacou seu celular para buscar boas fotos. Em uma hora de caminhada, o rapaz ouviu atentamente o que o guia (mais um!) contava sobre a cidade, desde a fundação por povos mesopotâmicos, indo pela tomada por civilização após civilização, pincelando a tradição histórica de que o apóstolo Pedro havia feito milagres ali e chegando aos árabes, otomanos, ingleses e, finalmente, judeus.

O jornada acabou no solário do restaurante, de onde observaram um belo pôr-do-sol, comeram excelentes comidas regionais e expandiram a rede de negócios com os demais presentes no local.

Já com o céu escuro, tomaram um táxi para o hotel e, no trajeto, José propôs algo diferente para aquela noite: correr. Mateus, como era de se esperar, declinou e disse que iria descansar. Renato, como também era de se esperar, prontamente aceitou, apesar de não fazer exercícios físicos intensos há mais de um ano.

Em menos de meia hora depois de terem chegado, os parceiros de passeios noturnos estavam prontos para se lançarem calçadão afora. Foram vinte minutos de trote com o mar à direita e a avenida à esquerda. Na volta, quase quarenta minutos de caminhada, já que o rapaz se rendera e preferiu não forçar o corpo. Trabalhou mesmo o gogó, não fechando a boca até chegarem de volta.

Um merecido banho de banheira quente para relaxar os músculos precedeu o sono merecido.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Hora de trabalhar de verdade (11/10/2015)

Domingo! Dia de descanso, certo? ERRADO! Em Israel, o fim de semana é sexta e sábado. Logo, hoje foi dia de trabalho: Renato e seus colegas estavam agendados para algumas visitas técnicas pelo país, motivo principal da viagem, aliás.

Depois de deixarem o hotel, seguiram a pé por quatro quadras até o ponto de encontro combinado com a delegação que organizou as visitações. Lá, um ônibus os aguardava, além de um grupo de brasileiros que também se inscreveu no roteiro de empresas que aceitaram os receber.

O primeiro ponto de era perto, dentro da própria Tel Aviv, só que mais ao centro. Um trajeto de não mais do que 30 minutos. O motorista do ônibus errou alguma coisa, contudo, e os levou por ruelas tão estreitas e com carros estacionados dos dois lados que o veículo praticamente emperrou. Seria impossível ir para frente ou para trás sem que houvesse a possibilidade de avarias no coletivo.

A solução encontrada foi o guia turístico (sim, este dia também contava com um guia, mas ele era mais uma pessoa para distrair os passageiros do que o foco principal do passeio) descer do ônibus e ajudar o condutor em suas manobras delicadas. O que se resolveria em meia hora durou pouco mais de duas. Com esse gasto de tempo, haveria a necessidade de eliminar uma das visitas, escolha que se deixou para fazer conjunto ao fim desta primeira reunião.

Em uma sala grande e elegante, Renato assistiu um vídeo institucional e um pouco de blá-blá-blá do representante da companhia de saneamento nacional de Israel. Muito papo, pouco assunto, nenhuma resolução. O rapaz aproveitou para comer, já que frutas e doces eram oferecidos em fartura sobre a mesa larga e comprida.

De volta ao ônibus, o grupo seguiu para a primeira parada fora dos limites municipais. Dirigiram-se para uma planta de dessalinização de água do mar e aqui cabe uma explicação. Grande parte de Israel é um deserto. As fontes de água mais evidentes da região são o Mar da Galileia e o Rio Jordão, incapazes de abastecer o país inteiro. A saída foi tratar a água do mar para retirar o sal e oferecer para a população. O custo é altíssimo, mas um vez que não se tem opção, isso é irrelevante.

A fábrica em si não tem nada de especial em aparência; o que conta mesmo é a tecnologia embutida nos materiais e processos. Slides em uma sala escura antecederam um passeio pela unidade fabril. Renato gostou do que viu, apesar de ter mantido mais o foco em buscar bons cliques do que na explicação que era dada para o funcionamento do sistema. Na prática, não saiu com nada de proveitoso.

O sol já havia passado do pico e a fome começava a dar seus sinais: os integrantes do grupo visitante estavam impacientes, alvoroçados, dispersos, clima perfeito para se tomar decisões de forma rápida; nem sempre eficientes, todavia. A líder da delegação organizadora convocou todos e uma votação por maioria simples logo definiu que a visita ao kibutz seria limada da programação.

Kibutz é uma vila típica judaica em que as pessoas ainda vivem em comunidade, parecido com o que se via no começo do século XX. Evidentemente, as vestimentas, a tecnologia e as facilidades do mundo moderno foram introduzidas nesses lugares, mas não havia propriedade privada, por exemplo. Uma forma de convívio bastante curiosa que o rapaz não tomaria contato; ao menos não nesta estada em Israel.

Saindo da planta de dessalinização, eles entraram em um posto na estrada para comer e partiram para a última parada: a empresa que criou o método de irrigação do deserto que possibilitou àquele país não mais depender do exterior para produzir alimento suficiente para seus habitantes. Adivinhe: sala com apresentação, passeio na fábrica, ida para o ônibus. Nem fotos foram permitidas desta vez, dado o sigilo industrial envolvido no processo de fabricação dos equipamentos.

A viagem de volta a Tel Aviv os presenteou com um belo pôr-do-sol, apreciado pelos olhos cansados de Renato, que se fecharam antes que o sol deixasse completamente o céu. Foram abrir só no desembarque derradeiro ao fim da excursão.

No hotel, após o banho, José repetiu o rito do dia anterior e chamou os dois colegas de trabalho para passear e jantar. Só o jovem aceitou e os dois foram caminhar no antigo porto, transformado em centro comercial, onde mais uma vez papearam por horas a fio.

Jerusalém (10/10/2015)

Rotina de hotel é rotina de hotel, não tem jeito. Acordar, se arrumar no mesmo espaço cada dia mais claustrofóbico que era o quarto 611, descer ao mesmo restaurante para tomar o mesmo café da manhã com as mesmas pessoas. Entediante. A promessa para movimentar o dia era a viagem a Jerusalém, contratada com um guia turístico brasileiro que mora em Israel há 12 anos chamado Samuel.

Em determinada fase da vida, ele decidiu sair do Pará com a mulher e duas filhas pequenas e, aproveitando a boa fase do país judaico do Oriente Médio e suas raízes hebraicas, migrou para Israel e se estabeleceu no ramo de turismo.

Samuel recebeu Renato e seus colegas com um carro elegante, tipo minivan, que o rapaz não soube identificar nem a marca, quanto mais o modelo. Bancos de couro, portas traseiras automáticas, sistema de som moderno, painel com tela de LED e tudo o mais que pode haver de opcional em veículos de passeio. Foi nessa pequena caixa de luxo motorizada que eles saíram pela estrada.

No caminho, o guia mostrou obras e melhorias de infraestrutura, o que fascinou os engenheiros civis do grupo (Renato e José, a saber). Os dois identificaram materiais, técnicas de obras, equipamentos e chegaram a começar a se aprofundar no assunto quando Mateus os lembrou que não estava entendendo nada. Com riso contido, porém compreensivos, os dois mudaram o assunto para incluir o terceiro elemento.

Foi pouco mais de uma hora de viagem até se aproximarem das cercanias da Cidade Santa, quando Samuel colocou no rádio uma música típica judaica em homenagem ao lugar: Jerusalém de Ouro. A vista, mesmo de dentro do carro, combinava com a melodia perfeitamente. Ambas carregam a memória para milhares de anos no passado, sem que se sintisse o processo acontecer. É como se o carro fosse substituído naquele instante por cavalos e as roupas por túnicas. À frente, uma cidade cor de areia encrustada no deserto fazia questão de ser notada.

Aparentemente um modus operandi dos guias, Samuel propôs que se percorresse um trajeto cronológico de Jesus em seus últimos dias. Começaram pelos jardins do Monte das Oliveiras, onde há igrejas católicas e ortodoxas no local em que o Messias teria orado em vigília na noite de véspera da sua prisão. Foram a ambas, lindíssimas e grandiosas. Curioso foi Renato notar que os ortodoxos também ergueram por ali uma igreja em homenagem a Maria Madalena, personagem de segundo plano para os católicos. O grupo não passou nesse tempo, apesar da vontade oculta do rapaz de conhecer e entender o que levou um ramo do cristianismo a homenagear uma ex-prostituta. Contudo, parece que o preconceito religioso de José e Mateus não abriu margem pra esse tipo de oportunidade.

Dali, os turistas seguiram para a cidade velha para conhecer o interior dos muros do que um dia foi uma fortaleza e hoje está dividida milimetricamente entre católicos, ortodoxos, árabes e judeus. O portão por que entraram era alto e largo, todo em pedra. Embora fosse rústico, mantinha uma exuberância típica das grandes construções da Idade Antiga. Lá dentro, vielas estreitas e labirínticas levavam por caminhos que só alguém com experiência suficiente poderia se localizar. Frente de casas se confundiam com lojas, raramente sendo possível identificar o que era um e o que era outro, se as portas estivessem fechadas. Por se tratar de um sábado, essa era uma cena recorrente.

Depois de algumas direitas e esquerdas, eles chegaram ao túmulo do rei Davi, local sagrado para os judeus. Os homens eram obrigados a colocar o quipá, aquela cobertura redonda típica sobre as cabeças dos judeus, e as mulheres a cobrir a cabeça e o colo com um véu ou um lenço. Lá dentro, nada de mais, a não ser um túmulo de pedra. Renato preferiu prestar mais atenção aos judeus tradicionalistas que vigiavam e cuidavam do ambiente, com suas barbas compridas, vestes de algodão, tranças esquisitas nas costeletas e caras rabugentas.

Após este ponto, seguiram por mais trajetos impossíveis de memorizar e chegaram a uma igreja curiosa, engastada na base de uma outra construção de uso indefinido. Internamente, símbolos católicos na pedra dividiam espaço com um belo vitral árabe, com escrita naquela língua inclusive. Enquanto José e Mateus faziam suas preces ali, Renato só tirou uma bela foto da janela de vidros decorados.

Próxima parada, Via Dolorosa. Conforme explicado por Samuel, eles caminhariam por onde se acredita que Jesus levou sua cruz nos ombros, depois de açoitado, para ser crucificado. De tênis, camiseta e óculos de sol, Renato cansou. José suou. Mateus, o de pior preparo físico, chegou ofegante e quase precisou parar no caminho. Não sem razão, todos refletiram em silêncio quando Samuel falou "Agora imagina fazer tudo isso machucado e com uma tora de madeira nas costas".

No fim da via, chegaram à Igreja do Túmulo de Cristo. Uma fila gigantesca apontava onde ir para conhecer o local em que se alega que Jesus foi enterrado após o martírio. A ansiedade dos dois mais velhos assemelhava-se a de crianças em uma fila para conhecer Papai Noel no shopping. Para Renato, restava o papel do adulto que precisa acompanhar os pequenos, mesmo sabendo que é um homem comum com uma roupa vermelha de inverno que vai entregar um pirulito para seus visitantes.

Uma hora de espera depois e tendo visitado mais uma caixa sacra de pedra, eles percorreram o restante da igreja com seus doces espirituais na boca em forma de comentários tipo "como me sinto abençoado" e afins. Conheceram onde supostamente o corpo de Jesus foi lavado, onde ele foi de fato erguido para morrer pendurado e até uma "evidência" do terremoto que se deu após a morte do Salvador: uma trinca grande na rocha do solo da igreja.

Encerrados os passeios cristãos, aproveitaram para visitar o Muro das Lamentações. Interessante foi Renato ter notado que sua indiferença anterior era vista agora também no rosto de José e Mateus frente àquele ponto sagrado para os judeus. Isso ajudou a diminuir o peso na consciência que a repetição do sentimento tratou de aumentar em cada sítio a que iam.

O estômago do nosso protagonista reclamava alto e Samuel percebeu. Encerraram a visita no fim da tarde em um restaurante elegante dentro de um hotel pertencente ao Vaticano e, após a refeição, subiram para o lounge que havia na cobertura. O encanto de todo aquele banho de surrealidade foi posto à prova quando um estrondo grave e intenso chamou a atenção de todos ali. Indo cautelosamente até a beirada do mirante, puderam ver uma confusão de judeus ortodoxos, árabes e policiais há três ou quatro quadras adiante. Samuel, consultando seu WhatsApp, informou a todos que um atentado a faca acabara de ocorrer ali. A violência religiosa dava o sinal de que era hora de partirem.

Mais uma vez, Renato voltava para o hotel com dezenas de boas fotos e uma recordação incrível. Por dentro, ele estava satisfeito e feliz com tudo, mesmo com os riscos envolvidos no processo. Uma vez tendo chegado, ele tratou de passar o resto do sábado em seu celular e iPad comentando o passeio com o pessoal do Brasil e recebendo notícias de Alice, que havia viajado no fim de semana para uma festa no interior. Antes de dormir, ainda tirou um tempo para, a convite de José, irem comer em algum lugar na rua e aproveitar a noite para jogar conversa fora.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Galileia (09/10/2015)

Renato levantou-se sem vontade. Preferiria dormir a passear por Israel, preconceituoso com as companhias e com o turismo religioso. Depois de pronto, desceu e tomou seu café da manhã enquanto se preparava psicologicamente para ser uma pessoa agradável durante a viagem do dia.

O destino fora decidido na tarde anterior, em contato com o guia. Sérgio, uruguaio que mora em Jerusalém há quase 10 anos, sugeriu que a excursão fosse feita na ordem cronológica dos acontecimentos. Começariam pela Galileia naquele dia, onde Jesus deu seus primeiros passos como pregador, e no dia seguinte iriam para Jerusalém, onde ele encontrou seu fim pelas mãos dos judeus e romanos que ali comandavam. Na casa de seus 50 anos, ele falava um portunhol plenamente compreensível para o trio, com o que se apresentou e detalhou o roteiro do dia.

Do lobby do hotel, os quatro foram até uma locadora de carro e saíram motorizados rumo ao norte. As histórias que Sérgio tinha para contar começaram assim que saíram de Tel Aviv, mas o sacolejo do carro e a aptidão natural de Renato para dormir em veículos falaram mais alto e ele se rendeu. Quando acordou, já estavam estacionando em Nazaré, cidade em que Jesus cresceu.

Ainda com a meta de ser cronológico, Sérgio os encaminhou à primeira igreja, a da Anunciação. Acredita-se que ali Maria recebeu o anjo Gabriel, que lhe contou que ela esperaria o Filho de Deus, conforme a Bíblia narra. A simplicidade da gruta apontada como o local de fato da aparição do anjo contrastava magistralmente com a imponência da igreja, esta com dois andares, um pé direito bastante alto no piso inferior sem bancos ou cadeiras e com o arranjo para as celebrações cristãs no piso superior.

Enquanto José e Mateus faziam suas preces e admirações cristãs, que incluía uma fila enorme para se aproximar da dita gruta, Renato aproveitou para fotografar. E foi assim durante toda a peregrinação pela cidade.

Os três satisfeitos, seguiram para a Igreja da Sagrada Família, construída sobre onde se afirma que Jesus e seus pais viveram até aquele sair aos 30 anos pela região para espalhar a Palavra. Mais uma vez, o rústico do chão de cavernas era exposto ao suntuoso templo que o cobria. Um explicava, outro tirava fotos, dois oravam.

O que não é o turismo senão houver souvenires, não é mesmo? Da igreja, Sérgio os levou até uma loja de lembranças das mais diversas, onde os dois mais abonados deixaram 150 dólares cada um, entre terços, chaveiros, taças, fitas, óleos bentos e outros apetrechos. Findas as compras, pegaram o carro e foram conhecer o rio de batismo do Messias.

Contando histórias durante todo o percurso, o guia fez passar rápido o tempo entre Nazaré e o ponto de visitação do Rio Jordão. Este ponto nada mais era que uma estrutura bem montada para receber os fiéis e lhes dar um espaço para entrar no mesmo rio que seu Salvador. Coerentemente explicado por Sérgio, não há registros nem possibilidade de se saber em que parte do rio João Batista batizou Jesus; ali era mais uma representação da situação do que um marco geográfico. Isso não diminuiu em nada o ímpeto de Mateus e José trocarem de roupa e entrarem nas águas límpidas do curso d'água. Enquanto isso, Renato esmerava-se em conseguir bons cenários e boas poses espontâneas.

Pouco depois do meio-dia, com os cristãos do grupo sorrindo de orelha a orelha, eles se dirigiram dali para Cafarnaum, local à beira do Mar da Galileia (que é um lago bastante grande, na verdade) em que Jesus arregimentou seus principais seguidores, os 12 apóstolos. Na verdade, foram conhecer as ruínas da cidade, já que hoje não há mais nada lá. Sérgio explanou e eles puderam ver em seguida o que se crê ser a primeira igreja cristã, além de ruínas de pilares e degraus onde outrora houve casas e escadarias. No pátio principal do vilarejo, uma estátua magnífica de Pedro em bronze destacava-se e era clicada por todos os visitantes, inclusive nosso protagonista.

Encerrados os pontos turísticos cristãos do norte, os quatro foram almoçar e voltaram para o hotel por quase duas horas de estrada. Já na segurança das vias de Tel Aviv, Sérgio os informou que um atentado havia ocorrido em Jerusalém poucas horas atrás, pelo que toda cautela seria pouco no dia seguinte na Cidade Santa. Inclusive contou que procurou se desviar de rodovias que beiravam municípios árabes porque a população local jogava pedras nos carros que passavam em sinal de protesto.

Deitado em sua cama no hotel, conversando por mensagem de celular com sua família e com Alice, Renato percebeu o quanto teria perdido em termos de fotografias e histórias, duas paixões suas, se tivesse se mantido firme em não querer antecipar o voo. Ele não admitirá nunca, mas eu sei que ele ficou grato por ter sido arrastado mais cedo para Israel.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Primeiro dia em Israel (08/10/2015)

Acordar não foi fácil. O corpo não sabia que horas eram lá fora, mas por dentro avisava que Renato deveria continuar de olhos fechados e relaxar. Tendo sido combinado com os demais viajantes que se encontrariam no restaurante para o café da manhã às 9 horas, eis que ele se levantou e, como um zumbi, se arrumou e desceu. Lembremos que ele estava sem sua mala: vestia jeans sem cueca, blusa de frio sem camiseta e tênis sem meia.

O hotel era bem honesto, simples no que oferecia e com tudo limpo e organizado. O desjejum, tipicamente do oriente médio, tinha coalhada seca, coalhada natural, salada (sim, tomate, folhas, berinjela, etc.), muitas frutas secas, alguns biscoitos e pães e uma área mais escondida, talvez com vergonha do sinal de saúde das demais comidas em exibição, em que havia ovos mexidos, salsicha ao molho e bacon.

Renato serviu-se bem dos pães, de coalhada, mel e arriscou um copo de leite e outro de chá. Pegou uma fatia de grapefruit (frutas cítricas eram servidas dessa forma), mas se arrependeu amargamente, no sentido mais literal possível da palavra. Sentado à mesma mesa que os colegas de trabalho, os três revisitaram em detalhes a loucura do dia anterior para entrar no país, cada um expondo o que achou que poderia acontecer e conjecturando os motivos de terem sido barrados na triagem inicial.

Dali, partiram para a rua para adquirir roupas para o jovem e para Mateus, que também estava com as vestimentas da véspera. Para saber um bom lugar para as compras, fizeram amizade com o atendente da recepção chamado Doron. Ele lhes recomendou um shopping próximo ao hotel e lá foi o trio em sua primeira saída independente em solo israelense.

Tiveram uma falha de comunicação com o taxista já na primeira ocasião, uma vez que este falava um inglês sofrível (se é que dá pra dizer que falava algo em inglês), e foram parar em algo como a 25 de março de Tel Aviv. Quando se deram conta do engano, o motorista já havia partido, tendo sido devidamente pago por eles. Consultaram o GPS do celular e foram a pé ao destino correto, a cinco quadras dali.

O shopping era confuso, pouco parecido com os do Brasil. Lembrava mais uma galeria, de lojas pequenas, vitrines simples, algumas até com avisos em cartolina (escritos em hebraico, pelo que era impossível compreender do que se tratava). Precisaram rodar por mais de uma hora para encontrar todas as peças de que necessitavam, tendo que ir aqui para comprar uma camiseta, ali para a calça, acolá para cuecas e meias; se antes estavam em frente à 25, Renato aqui se sentia no Brás em local coberto.

Finda a labuta para se vestir, passaram a procurar um local para comer. Um restaurante próximo à entrada principal servia frango assado naquelas máquinas popularmente conhecidas como "televisão de cachorro", a salvação dos almoços de domingo no Brasil quando a preguiça de preparar algo mais elaborado toma conta de todos. A semelhança com a comida de casa foi o motivo de terem escolhido lá e já anunciava a inconsciente saudade do lar.

Voltaram alimentados para o hotel, resolveram algumas questões do trabalho (eram 15:00 lá, mas 9:00 no Brasil, com o expediente apenas começando) e saíram para comer novamente à noite, à beira da praia. Antes disso, conseguiram um guia para levá-los a Galileia no dia seguinte, primeira excursão religiosa que o rapaz demonstrara pouco ou nenhum interesse antes de embarcarem. A empolgação de José e Mateus era proporcional à vontade de Renato de ter ficado no Brasil nesses primeiros dias. Restou-lhe ler deitado à noite na cama e dormir resignado com o roteiro do dia seguinte.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O voo e o aeroporto (07/10/2015)

A classe econômica do avião da Lufthansa era espaçosa o suficiente para nosso protagonista de baixa estatura e pernas curtas, mas aparentemente não para Mateus e José. O primeiro pagou um pouco mais para ir na classe "econômica plus", com mais espaço para as pernas, e o diretor foi de classe executiva. Ao menos, estando distante dos dois, ele não precisaria passar pelo constrangimento de ter que puxar conversa ou responder a essas iniciativas.

Belas aeromoças tipicamente alemãs (altas, olhos claros, cabelos loiros, cara de quem chapa o coco na Oktoberfest) fizeram todo o teatro pré-decolagem, com avisos em inglês e alemão, sumariamente ignorados por Renato. Ele já sabia o lance da máscara amarela, o colete salva-vidas, as saídas de emergência, mas na prática o que aconteceria em caso de uma eventualidade é que ele entraria em pânico mesmo, então tanto faz.

O entertainment center, nome elegante para a telinha individual que passa filmes, foi liberado assim que o avião deixou o solo e o rapaz ocupou bem seu tempo. Assistiu três filmes, dormiu um pouco, comeu bem e até foi conhecer o banheiro. Depois de 11 horas dentro da aeronave, eles pousaram em Munique para a conexão.

Lá, os três se reuniram novamente e comentaram sobre os filmes que escolheram, basicamente a única novidade que havia acontecido desde a última vez em que se viram. Uma centena de minutos de espera e mais um voo: embarque, teatrinho, decolagem. Desta vez, quatro horas e nenhum entertainment center. Restou a Renato dormir, tarefa que cumpriu com maestria de ponta a ponta.

Finalmente em solo israelense, extenuado tanto quanto seus colegas de trabalho, o rapaz só queria chegar logo no hotel e descansar. Contudo, o controle de imigração hebraico não pensava da mesma forma. Por algum motivo, os três foram parados na triagem da polícia e tiveram que esperar mais de uma hora para serem liberados. E olha só!, a equipe da companhia aérea também não queria que eles descansassem: somente a mala de José havia chegado neste voo. Depois de muito procurar em vão, eles foram informados que parte da bagagem que viria de Munique não coube no avião e virá amanhã em outro voo. Caberia a eles darem um jeito até lá e depois se acertarem com a Lufthansa.

Falando assim, parece que foi simples, mas isso demorou umas quatro horas entre desembarcar da aeronave e embarcar no táxi. Quarenta dólares depois, finalmente fizeram check-in no hotel às 21h de Tel Aviv. Com todos devidamente avisados de sua chegada são e salvo, incluindo ter contado parte da confusão que foi no aeroporto, Renato tomou um banho curto e se jogou na cama. Provavelmente dormiu enquanto o corpo ainda estava em queda livre em direção ao colchão.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

#partiuIsrael (06/10/2015)

Assim que o celular despertou, Elza entrou no quarto que pertencia a seu filho quando ele morava lá e o encontrou já acordado, fazendo preguiça na cama. Renato havia mandado uma mensagem para sua mãe antes de dormir avisando-a que ficaria por lá naquela noite e, pelo visto, ela se empolgou com a ideia logo cedo, quando a leu.

O rapaz pulou da cama e deu um abraço naquela senhora de pouco mais de um metro e meio, convidando-a para o café da manhã, o que foi prontamente aceito. Foram para a cozinha e começaram o ritual de comer e falar que havia sido rotina por alguns anos, em toda manhã em que ambos iam trabalhar. Poucos minutos depois, Paloma se juntou a eles e a conversa rendeu.

Fim do desjejum, trocar de roupa e se preparar para sair era o que viria a seguir para as mulheres.

- Vamos, mãe! Vamos ficar atrasadas!

- Não vai fazer sua maquiagem, menina?

- Não, faço no escritório!

- Faça aqui! Dá tempo! Aí eu fico um pouco mais aqui com o Renato. - e um sorriso assumindo a cara-de-pau se instalou no rosto de Elza.

Não é preciso dizer que Renato se derreteu naquele momento com a demonstração tão descarada de afeto por parte de sua mãe. Se há dois ou três anos ela tinha alguma vergonha ou dificuldade de expressar o que sentia, isso era a prova final de que Elza havia mudado bastante, e para melhor.

Obviamente, fazer uma maquiagem não é uma atividade que demora horas; em pouco tempo o rapaz se despediu das duas ("boa viagem", "juízo", "aproveite", "chegando manda mensagem", "boa sorte", etc.) e foi terminar de arrumar as coisas que ainda faltavam para poder viajar.

Se eu havia dito que ele deixou tudo para a última hora, me expressei mal. Renato tinha deixado tudo para resolver até o limiar de perder o voo, programado para sair às 16h30. Precisou ir de ônibus buscar seu carro em seu apartamento no centro da cidade. Foi pegar uma mala emprestada com a tia Matilde em um extremo da cidade, já que a sua estava no conserto. Esqueceu de baixar as músicas que queria ouvir na viagem de 21 horas (!), incluindo conexão em Munique. Quase deixou o passaporte para trás ao sair com "tudo pronto" da casa se sua mãe. Coroando sua capacidade inacreditável de se atrasar, mas também por um erro do departamento financeiro da empresa, ficou tarde demais para ele pegar o dinheiro da viagem, pelo que teria que dar um jeito quando chegasse lá.

No aeroporto, encontrou-se com Mateus, o gerente, e José, o diretor, ambos citados em textos anteriores pelo cargo e não pelo nome. Cumpriram os procedimentos de embarque, conversaram um pouco até a companhia aérea chamar para entrar no avião e partiram. Minutos antes, Renato mandou mensagem a todos aqueles que julgou que mereciam. Para Alice, apenas um coração bem grande.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Tudo certo para viajar? (05/10/2015)

Segunda-feira, véspera da viagem. Por indicação da empresa, Renato irá passar 10 dias em Israel para visitar o workshop de um fornecedor e uma feira de tecnologia, ambos em Tel Aviv. De fato, o workshop ocorrerá somente na próxima segunda-feira e a feira, nos três dias seguintes. Acontece que o gerente e o diretor que também foram escalados para representar a empresa nos eventos decidiram aproveitar o voo e antecipar a agenda para encaixar turismo religioso. Sem dinheiro, sem poder de decisão, sem real interesse em conhecer lugares turísticos em uma região de conflito, restou a Renato se conformar e levar um bom livro para lê-lo no hotel nesses dias em que ficará ocioso.

No escritório, tratou de finalizar questões que poderiam ficar em aberto e de solução difícil a distância (incluindo o fuso horário de 6 horas a mais). Seu plano no expediente era usar a viagem como desculpa e sair mais cedo para ter tempo de visitar o pai, depois a mãe e ainda começar a arrumar as malas. Evidentemente ele havia deixado para a última hora todas essas coisas. Foi parar em uma reunião infindável, bastante confusa, em que entrou para ser apoio e acabou conduzindo os assuntos, tornando-se necessário até o final. Saiu às pressas muito depois do horário pretendido, o que atrapalhou todo seu cronograma.

A primeira parada foi a casa de seu pai, Abel. Propôs a si mesmo apenas dar um abraço nele e tomar um copo de cerveja, ritual que seu velho prezava e fazia questão. Chegando lá, morrendo de fome, se rendeu ao plano astuto do homem e ao cheiro maravilhoso da carne para burrito que ele havia preparado. As tortillas já estavam posicionadas, a carne refogava na panela para exalar e veio o xeque-mate: "Não quer comer um pouco antes de ir embora, não?"

A meia hora intencionada por Renato para ficar com seu pai durou uma hora e meia. Aproveitou que estava rendido pelo estômago e pôs a conversa em dia, visto que ambos falam bastante e sobre tudo. Quando chegou na casa de sua mãe, ela já havia ido dormir, pelo que ele se sentiu culpado e dormiu por lá para encontrá-la pela manhã e lhe dar um abraço antes de tomar o avião. Quem estava acordada, contudo, era Paloma. Aí está mais uma que fala pelos cotovelos e o papo dos dois também rendeu.

A cabeça, nessa noite, foi para o travesseiro ansiosa. Não queria ir e deixar Alice, não queria ir sem ter dado um pouco de atenção para sua velhinha Elza, não queria ir, não queria ir e ponto. Mas essa não era uma opção disponível. A noite foi longa e solitária...

domingo, 11 de outubro de 2015

Alice de vez (04/10/2015)

As pessoas, que pareciam gatos filhotes de tão amontoadas que estavam umas sobre as outras, foram acordando aos poucos e puxando assunto com quem já estivesse desperto. Não demorou muito para que todos deixassem o sono e partissem para a cozinha, tomar café da manhã. O assunto que reinou, evidentemente, foi o bar da madrugada anterior. Menos para Renato! Ele havia combinado por mensagem que iria encontrar Alice novamente neste domingo, em uma cervejaria artesanal, e se deixou perder em seus pensamentos ao invés de confraternizar.

O papo animou para além do desjejum, e logo os jovens estavam no quintal a falar sobre tudo da vida. Em determinado momento, Renato confessou que iria estar com Alice naquela tarde e, depois de ouvir piadas das mais variadas a respeito de voltar a se relacionar com a ex-namorada, fez lobby para irem embora de Campinas.

Apesar de ter ido com Paloma, ele voltou de carona com Leandro e Miguel, dois primos de quase a mesma idade. Aproveitaram a viagem para estender o momento gostoso de conversa que havia se estabelecido desde a manhã, entrando em assuntos do universo masculino que poderiam sofrer más interferências na presença das primas.

Deixado em sua casa em São Paulo, se aprontou e esperou Alice aparecer de carro para pegá-lo. Ela estava bem mais casual do que na sexta (ele também, é verdade), mas não menos bonita. Vê-la assim trouxe-lhe a memória do dia-a-dia que tinham quando namoravam; ele se fez feliz.

No rádio do veículo tocava a playlist de favoritas dela. Ele não deixou de se sentir provocado quando Anitta cantou Deixa Ele Sofrer, mas a redenção veio rápido. Duas ou três músicas depois, Réu Confesso surpreendentemente entrou no som. A moça corou e rapidamente trocou de canção, o rapaz não esboçou reação. Comemorou por dentro...

No bar, nem parecia que haviam ficado longe tanto tempo, muito menos que tinham tido uma conversa tensa por horas há dois dias. Eram dois amantes de novo, vivendo os momentos apaixonados de novo, o novo de novo.

Se é que houve situação triste, ela aconteceu talvez quando Renato avisou para Alice que ficaria 10 dias no exterior, em Israel mais precisamente. Ela se mostrou compreensiva, mas só saberemos o resultado com o tempo.

Ao fim do passeio, deixado em casa, ele convidou sua morena para subir e conhecer seu apartamento. Ela se mostrou animada com o que viu, apesar de dificilmente ser possível dizer se ela estava sendo plenamente verdadeira ou apenas gentil ao elogiar aquilo que aos olhos de qualquer um não teria outro nome que não "bagunça".

Não demorou muito para Alice descer e ir embora. Entre tantos beijos durante o dia, trocaram um de despedida mais intenso. De volta ao seu apartamento, Renato se deixou ficar perdido entre sonhos e esperanças enquanto tentava transformar o caos novamente em um lar.

sábado, 10 de outubro de 2015

Ano Novo e Rock'n'roll (03/10/2015)

Nem em suas expectativas mais otimistas, Renato seria capaz de adivinhar que acordaria neste sábado ao lado de Alice. Seu corpo moreno espalhado na cama ficava lindo no espelho e ele a admirou por um tempo antes de acordá-la com delicadeza.

Como eu disse, uma vez que essa situação não era esperada de forma alguma, o rapaz tinha marcado compromisso com sua irmã Paloma logo pela manhã. Alice sabia disso antes de terem entrado no quarto de motel, pelo que acordou tranquila, se arrumou (não antes de namorarem mais um pouco) e foi deixada em casa.

Renato encontrou Paloma terminando de se ajeitar quando ele entrou em na casa de sua mãe. Eles tomaram café juntos e pegaram estrada em seguida, caçando uma casa para passarem o Ano Novo.

Há um tempo os dois tentam marcar um evento de Réveillon com todos os primos por parte de mãe (são 12), mas principalmente dificuldades financeiras impediram qualquer êxito. Desta vez, eles se propuseram a pesquisar uma chácara nas cidades de serra próximas a São Paulo que coubessem todos e em todos os bolsos.

Visitaram duas casas e aproveitaram para passar um tempo juntos, coisa que não acontecia há algumas semanas, apesar de frequente antes de Renato sair da casa da mãe deles. Uma casa pareceu ideal: ampla, bem organizada, bem aparelhada, convidativa! Só era de difícil acesso, um "problema menor" que um mapa poderia resolver. A outra era boa também, mas comparada à primeira deixou a desejar, e eles voltaram para São Paulo perto da hora do almoço decididos a já fechar com a melhor. O próximo trabalho será garantir a presença mínima de 15 pagantes.

Almoçaram, foram para casa descansar e à noite seguiram para Campinas, não sem antes buscar Thiago, namorado da Paloma, no trabalho. Lá uma tia deles promoveu uma festa de aniversário e foi ser prestigiada pelos dois irmãos, além de outros integrantes da família gigante e amigos dessa tia.

Após a festa, a ala jovem da comemoração partiu para um barzinho de rock curtir um bom som e bater cabeça. Os que não se viam há um tempo usaram a chance para colocar o papo em dia. Riffs e solos, pulos e coros, gritos e palmas, tudo e mais um pouco. Sucesso!

Voltaram antes de amanhecer, exaustos, e dormiram como nos velhos tempos, espalhados e amontoados em colchonetes no quarto de visitas (não coincidentemente o maior da casa).

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Reencontro (02/10/2015)

A ideia original era ter acordado às 5 horas da madrugada e saído em seguida. Renato havia dormido no interior, mas o dia de trabalho era em São Paulo, o que justificava o horário tão mais cedo para sair da cama. Só que o relógio biológico não ajudou. Ele acabou acordando em seu horário regular, mesmo com a insistência do despertador, e chegou no escritório pouco antes da hora do almoço. Para sua sorte, sua ausência não foi sentida.

Quando ligou o computador e se acalmou, notando que não receberia bronca pelo horário mais do que indecente para começar a jornada, ele voltou a ficar nervoso: o reencontro com Alice, sua ex-namorada, estava agendado para aquele dia às 21 horas. Menos da metade de um dia era o espaço de tempo para estarem frente a frente depois de sete meses afastados.

A história é comprida e complicada o suficiente para merecer uma explicação em um capítulo específico no futuro, mas para que seja possível se situar, vale dizer que havia passado poucos dias que eles fariam aniversário de namoro se estivessem juntos e isso mexeu com Renato. Ele a contatou, foi tratado com indiferença, depois recebeu um fora e menos de uma semana após a bota veio a mensagem inesperada. É como outro Renato escreveu: "Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?".

O rapaz fez o que precisou fazer durante o trabalho, mas sem estar com a cabeça ali. Saiu pontualmente às 18 horas, tomou o metrô e foi pra casa se arrumar. No caminho, lembrou de comprar uma rosa singela para entregar a Alice. Não sabia ao certo porque fazia aquilo, mas reagiu a um impulso e lá estava ele terminando o trajeto a pé até em casa com a flor solitária na mão.

Na produção para o encontro, Renato se lembrou de todos os detalhes para uma apresentação impecável, incluindo coisas de que costuma se esquecer em geral. Aparou as unhas, passou perfume, escolheu a camisa que havia ganhado dela, bem como o sapato (se pudesse, também iria com calça, cueca e meia se as tivesse recebido de Alice). Pôs o celular em um bolso, dois quilos de coragem no outro e saiu.

O restaurante italiano que haviam combinado estava cheio aquele dia, forçando a espera por mesa do lado de fora. Dez minutos depois de ele ter chegado, ela também chegou. Ao contar a cena, o rapaz o fez como se uma sequência cliché de filme de Hollywood estivesse sendo passada em um telão. Em suas palavras, ela desceu do carro e caminhou em sua direção passo ante passo. Jogou para trás os cabelos caídos sobre os ombros e só depois o fitou. Conhecendo-o, provavelmente ela só chegou e ajeitou o cabelo normalmente, como toda mulher de cabelos compridos faz quando sai do carro para garantir a organização do penteado.

De qualquer forma, isso já dava o tom do espírito mesmerizado de Renato. Ela estava realmente bem produzida: uma maquiagem suave enfeitava o rosto, uma blusa solta semi-transparente adornava o corpo e trazia um decote providencial, valorizando os belos seios grandes naturais, um short preto sóbrio deixava as pernas torneadas à mostra e uma sapatilha admitia que ela ainda não havia aderido ao hábito de andar de saltos. Ele era só sorriso.

Depois do oi, mas antes de qualquer outra frase, ele pôs Réu Confesso, do Tim Maia, para tocar no celular. Era a música com que a tinha convencido de se verem. Ao fim dos versos belamente cantados pela voz grossa de Tim, ele emendou:

"Eu precisei te perder e fazer doer dentro do peito sua ausência pra saber o que eu sentia por você. Precisei que meus sonhos me esfregassem na cara que você é a mulher da minha vida. Precisei juntar toda minha coragem para voltar a falar com você sabendo que as chances eram remotas. Precisei de quatro estações para finalmente te dizer que EU TE AMO!"

Alice não reagiu, ao menos não visivelmente. Soltou um cordial "Fico feliz por você estar sendo sincero".

A próxima investida dele foi entregar-lhe a rosa e dizer "Comprei isso para te perguntar: posso voltar a te chamar de minha Florzinha?". Esse era o nome melento e brega que Renato usava para chamá-la como apelido de namorada antes do término. Contudo, nem isso foi capaz de quebrar totalmente o gelo. Mas houve uma trinca na estrutura fria, só pelo modo como ela pegou a flor, mesmo sem devolver um sim ou não.

A atendente só aguardou encerrar o momento romântico para anunciar que a mesa estava liberada. Renato até pensou em tomar a mão de Alice para seguirem, mas hesitou e perdeu o timing.

Uma vez lá dentro, ele pediu uma água tônica e ela uma taça de vinho. Quebraram o gelo com cada um contando sua versão desde o dia em que o rapaz a contatou recentemente até estarem ali, conversando. Quando a parede de congelada ruiu, um vento frio e úmido tomou conta do diálogo, com muitas feridas e cicatrizes sendo postas à mesa. Algumas delas ainda estavam com casca e latejavam, apesar de tanto tempo. Afinal, o coração, esse músculo que nunca para em seres viventes, demora bem mais tempo pra sarar por conta dessa condição.

Porém, as nuvens que vieram com a ventania não trouxeram chuva e se dissiparam aos poucos. Houve sorriso depois, houve lembranças boas, houve um menino declaradamente apaixonado e uma menina se segurando para não se entregar. Pediram só uma entrada e mais água; os dois ansiosos não aguentariam um prato de massa. Mesmo quando o assunto aparentemente acabava, eles não pediam a conta ou mencionavam sair dali. O laço havia começado a se reatar e, pelo visto, nenhum deles queria lutar contra o processo. Ficaram lá até o restaurante fechar.

Na saída, Renato perguntou:

- E agora, depois de tudo o que falamos, mereço um abraço?

- Merece.

E ele a envolveu em seus braços. E ela o envolveu com seu jeito.

- Senti saudades de você... - Renato mais uma vez se entregou.

- ...Eu também. - disse ela, e o último tijolo do muro que os dividia caiu.

Renato buscou um beijo apaixonado e foi atendido. Após todo o esforço, a despeito de tantos erros, contra todas as apostas, lá estavam os dois novamente amando.

A convite dela (ele não ousaria um passo assim), eles dormiram juntos. Sim, lá estavam os dois novamente fazendo amor.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Aula de moto (01/10/2015)

Na noite anterior, Renato rolou na cama até ser vencido pelo cansaço e apagou em um sono sem sonhos. Lembrou-se, um pouco antes, de pedir a Andressa que lhe desse carona pela manhã, já que seu apartamento ficava no caminho dela.

Pontualmente atrasada, como de praxe, ela apareceu de moto no portão do condomínio e entregou ao rapaz um capacete. Ele já havia andado de moto anteriormente, sempre de carona, e a sensação não era nem um pouco atraente. Em outras palavras, o que ele faz é se agarrar aos apoios da moto e não largar por nada, chegando a ficar com os dedos doloridos ao chegar no destino.

No caminho curto, Andressa aproveitou para fazer piada com o medo de Renato e falou: "Até entendo seu medo de andar de moto! Você só andou aí atrás! O dia em que você pilotar vai ver como é tranquilo!". Sem raciocinar muito na frase com que respondeu, ele emendou: "O dia em que você me ensinar a pilotar, quem sabe eu perca o medo!". E a tréplica ouvida foi: "Vamos hoje, depois do trabalho, então!".

"Ideia idiota! Ideia idiota!". Somente essas duas palavras se repetiam na cabeça dele quando saiu do escritório e foi novamente de carona com Andressa até a área de treinamento. Ela os guiou até um bairro novo da cidade, bastante pacato, e parou em um quarteirão onde apenas uma casa havia sido construída.

A "aula" teórica foi bastante sucinta. "Aqui acelera, aqui freia, a troca de marcha é no pé; gira o acelerador devagar e vai, tipo bicicleta". Em menos de três minutos, a moça já acreditava ter passado todas as instruções para Renato.

Montado ali, sozinho e tremendo, ele respirou fundo e foi. Desta vez, o medo não o acompanhou na garupa.

Renato não seria capaz de, naquele instante, dizer o que se passava com ele. Mas, se fosse preciso, acho que o mais apropriado seria êxtase. Apesar do vento no rosto através da viseira aberta do capacete, ele não conseguia respirar direito. Os pulmões permaneciam cheios, repletos, plenos. Os olhos não piscavam, apesar de não haver nada de interessante para ser visto adiante. A boca se abriu instintivamente e, para voltar a ter o ar circulando, ele gritou de alegria.

Andressa, sentada na calçada e observando com curiosidade a cena, corou ao ver a quantidade de palavrões que o rapaz era capaz de berrar entre onomatopeias de júbilo. Ela presenciou uma pessoa conhecendo uma das face da liberdade, algo que ela mesma já havia sentido mas não fora capaz de traduzir em palavras para ele quando disse que guiar era diferente de ir atrás. Com as mãos no guidão, você é o pássaro que deixa a gaiola e não olha para trás.

Depois de umas cinco ou seis voltas no quarteirão, ele parou onde sua amiga estava sentada. Tagarelava incessantemente, drogado pela injeção de velocidade em duas rodas, e arrancava gargalhadas dela com a metralhadora de frases sem sentido ou sem noção que dizia. Em meio à confusão linguística, eles acabaram combinando de irem embora para o apartamento de Renato para conversar e passar o tempo.

Há de se registrar que "conversar" não é o verbo mais apropriado, já que ele continuou no semi-monólogo que começou assim que o test-drive terminou; ela ouvindo pacientemente, demonstrando interesse no que ele dizia e felicidade por estar ali. Por uma dezena de minutos apoiou a cabeça mais uma vez sobre a coxa de Andressa, como na praça ontem. A dinâmica já estabelecida entre os dois fez com que não demorasse até ambos estarem deitados lado a lado, e a troca de carinhos logo virou troca de carícias. Fizeram um sexo animado, vigoroso, condizente com a energia que fluía pelo corpo de Renato por ter vivido aquele dia.

Ela foi embora pouco tempo depois, sabendo que não o veria pelas próximas duas semanas, pelo menos. Ele dormiu antes de ter se dado conta disso.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Na praça com Andressa (30/09/2015)

Depois da ansiedade da noite anterior, a manhã começava com sono. O corpo pesava para levantar, até que Renato se lembrou que este era o dia em que seu carro não podia circular naquela região de São Paulo. Ele precisava sair de casa em meia hora, no máximo!

Voou para o banho, arrumou-se sem enrolação e entrou no veículo dois minutos mais tarde do que deveria. Restaria rezar para que os fiscais de trânsito (homens ou radares) não o autuassem, e foi o que fez até sair da área de tráfego proibido. Só saberemos se ele foi ou não multado daqui umas semanas.

A caminho do trabalho, na estrada - hoje e amanhã Renato deve trabalhar no escritório da empresa no interior - ele pensou por pouco tempo na loucura que havia sido a mensagem da Alice (esse é o nome de sua ex-namorada) e decidiu que era melhor ouvir música. A ansiedade não poderia tomar conta dele, e deixar o assunto em banho-maria mental era uma tática excelente para que isso não acontecesse.

Vale uma pausa no relato agora para uma breve explicação. Renato é um paquerador! Ele tem talento para a arte de conquistar mulheres, muito provavelmente herdado do lado da família de seu pai, que é do Rio. Não só talento: o rapaz gosta desse jogo! Se aproximar, ser charmoso, agradável, elogiar, prestar atenção no que elas gostam de fazer e falar... E o que ele já confessou algumas vezes é que a parte mais prazerosa é se apaixonar pela menina nesse processo.

Dito isso, era razoável de se esperar que ele tivesse uma paquera no escritório do interior. Andressa é uma menina comum de cidade do interior, batalhando nos seus vinte e poucos anos para montar uma carreira e viver bem a vida. Renato começou a falar com ela por amizade, já que a moça era uma das poucas pessoas receptivas do escritório quando ele precisou começar a frequentar lá. Mesmo decidido a mantê-la no círculo de amizades, em um momento de carência ele deixou o lado galante falar mais alto e deu no que deu.

O dia de trabalho foi comum, cotidiano: uma planilha aqui, uma apresentação ali, almoço com Laura, a colega de equipe, para ambos desabafarem e eis que a labuta se encerra.

A chuva descia tímida do céu no encerramento do expediente, depois de uma pancada forte umas horas mais cedo. Conforme combinou com Andressa, Renato saiu de lá e ambos foram tomar sorvete na praça, olhar o céu nublado e falar sobre a vida; ele deitado no banco, cabeça apoiada na coxa grossa dela. Não houve beijos, apenas um cafuné da parte dela enquanto ele acariciava suas costas. Seus pensamentos definitivamente não estavam ali. Estavam em Alice...

Antes da praça esvaziar, ele deixou Andressa em casa e foi para a sua, dormir com ideias borbulhando no cérebro.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Uma mensagem inesperada (29/09/2015)

Renato havia dormido mal à noite e acordou várias vezes entre as 5h e as 6h da manhã. Depois disso, dormiu mal porque ficou com medo de perder a hora.

O relógio despertou pontualmente às 7h e o pegou cochilando de leve. O rapaz rolou duas vezes para cada lado da cama nos 15 minutos seguintes e decidiu se levantar.

Arrumou-se como de costume e seguiu de ônibus para o escritório onde trabalha, na mesma rotina cotidiana.

O dia passou preguiçoso, entre leituras pela internet e organização do orçamento pessoal. Almoçou sozinho, sem nem mesmo a companhia de algum livro que costuma carregar para cima e para baixo. A produtividade no trabalho foi realmente baixa, limitando-se a uma reunião à tarde, mas nada que as pessoas ao redor reparassem.

Ao fim do expediente, buscou o carro e foi pegar Paloma (sua única irmã) no trabalho, para que conversassem um pouco no caminho, uma vez que Renato precisava buscar as roupas passadas na casa em que ela morava com a mãe deles.

Já bastante próximos do destino, o celular do rapaz apitou avisando que havia uma nova mensagem. Pegou o aparelho e o desbloqueou, ficando ele mesmo bloqueado ao ler o conteúdo e o remetente.

Sua ex-namorada, que há pouco mais de uma semana tinha enterrado a maior tentativa dele de reatamento, o chamou:

"Renato", ela começou.

"Oi", ele respondeu, tremendo.

"Tá ocupado?"

"Não"

"Posso fazer uma pergunta?"

"Sim, claro"

"Tudo o que vc me disse era realmente verdade?"

Ela se referia à declaração que Renato tinha lhe feito na data em que eles estariam comemorando 1 ano de namoro, se não tivessem terminado em março passado. Ele precisou de 365 dias pra finalmente dizer "Eu te amo!".

"Sim. Tudo", ele replicou.

"Vc ainda quer me dizer isso?"

Ele leu e não coube em si. Sentiu que, se soluçasse, o coração lhe viria à boca. Não achou palavras para escrever algo que prestasse sem parecer um adolescente bobo e apaixonado. O que seus dedos colocaram no teclado foi:

"Direi agora, se vc quiser me receber" - eram mais de 10 horas da noite. Como eu havia dito, adolescente bobo e apaixonado.

Ela foi mais ponderada. Marcaram de se encontrar na próxima sexta-feira.

Em êxtase, Renato precisou tomar um dose de uísque para relaxar, comemorar e dormir. Já passava da 1h da madrugada quando finalmente seus olhos se fecharam.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Começando os trabalhos (28/09/2015)

Renato decidiu que faria sentido para si registrar suas memórias conforme acontecessem.

Pediu minha ajuda para ir além de um "Querido diário, hoje comi McDonald's e estava uma delícia."

Assim, aqui começam os Relatos de Renato.