A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Reencontro (02/10/2015)

A ideia original era ter acordado às 5 horas da madrugada e saído em seguida. Renato havia dormido no interior, mas o dia de trabalho era em São Paulo, o que justificava o horário tão mais cedo para sair da cama. Só que o relógio biológico não ajudou. Ele acabou acordando em seu horário regular, mesmo com a insistência do despertador, e chegou no escritório pouco antes da hora do almoço. Para sua sorte, sua ausência não foi sentida.

Quando ligou o computador e se acalmou, notando que não receberia bronca pelo horário mais do que indecente para começar a jornada, ele voltou a ficar nervoso: o reencontro com Alice, sua ex-namorada, estava agendado para aquele dia às 21 horas. Menos da metade de um dia era o espaço de tempo para estarem frente a frente depois de sete meses afastados.

A história é comprida e complicada o suficiente para merecer uma explicação em um capítulo específico no futuro, mas para que seja possível se situar, vale dizer que havia passado poucos dias que eles fariam aniversário de namoro se estivessem juntos e isso mexeu com Renato. Ele a contatou, foi tratado com indiferença, depois recebeu um fora e menos de uma semana após a bota veio a mensagem inesperada. É como outro Renato escreveu: "Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?".

O rapaz fez o que precisou fazer durante o trabalho, mas sem estar com a cabeça ali. Saiu pontualmente às 18 horas, tomou o metrô e foi pra casa se arrumar. No caminho, lembrou de comprar uma rosa singela para entregar a Alice. Não sabia ao certo porque fazia aquilo, mas reagiu a um impulso e lá estava ele terminando o trajeto a pé até em casa com a flor solitária na mão.

Na produção para o encontro, Renato se lembrou de todos os detalhes para uma apresentação impecável, incluindo coisas de que costuma se esquecer em geral. Aparou as unhas, passou perfume, escolheu a camisa que havia ganhado dela, bem como o sapato (se pudesse, também iria com calça, cueca e meia se as tivesse recebido de Alice). Pôs o celular em um bolso, dois quilos de coragem no outro e saiu.

O restaurante italiano que haviam combinado estava cheio aquele dia, forçando a espera por mesa do lado de fora. Dez minutos depois de ele ter chegado, ela também chegou. Ao contar a cena, o rapaz o fez como se uma sequência cliché de filme de Hollywood estivesse sendo passada em um telão. Em suas palavras, ela desceu do carro e caminhou em sua direção passo ante passo. Jogou para trás os cabelos caídos sobre os ombros e só depois o fitou. Conhecendo-o, provavelmente ela só chegou e ajeitou o cabelo normalmente, como toda mulher de cabelos compridos faz quando sai do carro para garantir a organização do penteado.

De qualquer forma, isso já dava o tom do espírito mesmerizado de Renato. Ela estava realmente bem produzida: uma maquiagem suave enfeitava o rosto, uma blusa solta semi-transparente adornava o corpo e trazia um decote providencial, valorizando os belos seios grandes naturais, um short preto sóbrio deixava as pernas torneadas à mostra e uma sapatilha admitia que ela ainda não havia aderido ao hábito de andar de saltos. Ele era só sorriso.

Depois do oi, mas antes de qualquer outra frase, ele pôs Réu Confesso, do Tim Maia, para tocar no celular. Era a música com que a tinha convencido de se verem. Ao fim dos versos belamente cantados pela voz grossa de Tim, ele emendou:

"Eu precisei te perder e fazer doer dentro do peito sua ausência pra saber o que eu sentia por você. Precisei que meus sonhos me esfregassem na cara que você é a mulher da minha vida. Precisei juntar toda minha coragem para voltar a falar com você sabendo que as chances eram remotas. Precisei de quatro estações para finalmente te dizer que EU TE AMO!"

Alice não reagiu, ao menos não visivelmente. Soltou um cordial "Fico feliz por você estar sendo sincero".

A próxima investida dele foi entregar-lhe a rosa e dizer "Comprei isso para te perguntar: posso voltar a te chamar de minha Florzinha?". Esse era o nome melento e brega que Renato usava para chamá-la como apelido de namorada antes do término. Contudo, nem isso foi capaz de quebrar totalmente o gelo. Mas houve uma trinca na estrutura fria, só pelo modo como ela pegou a flor, mesmo sem devolver um sim ou não.

A atendente só aguardou encerrar o momento romântico para anunciar que a mesa estava liberada. Renato até pensou em tomar a mão de Alice para seguirem, mas hesitou e perdeu o timing.

Uma vez lá dentro, ele pediu uma água tônica e ela uma taça de vinho. Quebraram o gelo com cada um contando sua versão desde o dia em que o rapaz a contatou recentemente até estarem ali, conversando. Quando a parede de congelada ruiu, um vento frio e úmido tomou conta do diálogo, com muitas feridas e cicatrizes sendo postas à mesa. Algumas delas ainda estavam com casca e latejavam, apesar de tanto tempo. Afinal, o coração, esse músculo que nunca para em seres viventes, demora bem mais tempo pra sarar por conta dessa condição.

Porém, as nuvens que vieram com a ventania não trouxeram chuva e se dissiparam aos poucos. Houve sorriso depois, houve lembranças boas, houve um menino declaradamente apaixonado e uma menina se segurando para não se entregar. Pediram só uma entrada e mais água; os dois ansiosos não aguentariam um prato de massa. Mesmo quando o assunto aparentemente acabava, eles não pediam a conta ou mencionavam sair dali. O laço havia começado a se reatar e, pelo visto, nenhum deles queria lutar contra o processo. Ficaram lá até o restaurante fechar.

Na saída, Renato perguntou:

- E agora, depois de tudo o que falamos, mereço um abraço?

- Merece.

E ele a envolveu em seus braços. E ela o envolveu com seu jeito.

- Senti saudades de você... - Renato mais uma vez se entregou.

- ...Eu também. - disse ela, e o último tijolo do muro que os dividia caiu.

Renato buscou um beijo apaixonado e foi atendido. Após todo o esforço, a despeito de tantos erros, contra todas as apostas, lá estavam os dois novamente amando.

A convite dela (ele não ousaria um passo assim), eles dormiram juntos. Sim, lá estavam os dois novamente fazendo amor.