A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Os amigos da faculdade - Parte II (01/11/2015)

O clima estava diferente quando o casal acordou naquele domingo. Alice tinha programado uma viagem para o interior visando encontrar antigos amigos e Renato não estava convidado. Contudo, até por conta do seu estômago, ela desmarcou o passeio e acabou se conformando em ficar por Guarulhos mesmo. Acontece que seu namorado, aproveitando a pretensa ausência da moça, também organizou um passeio para si em que sabia que Alice não quereria participar: reunir-se com os amigos da faculdade. Apesar do compromisso da namorada ter caído, ele manteve o seu. Isso já foi motivo suficiente para Alice ficar com um nível de energia menor durante a manhã, provavelmente para evitar ou ocultar a irritação com a situação.

O casal tomou café da manhã juntos e, quando deu seu horário de sair, o rapaz despediu-se da namorada e seguiu para a zona leste de São Paulo ver seus amigos. O combinado do passeio era passarem nos apartamentos dos três que tinham decidido sair da casa dos pais. Sendo assim, o primeiro destino foi a casa de Carla Senatore, homônima da ex-namorada de Renato, que era tratada apenas pelo sobrenome para evitar a confusão. O bairro onde ela mora é cercado por uma favela de um lado, um parque do outro e a linha do trem como limite circunscritor. Ou seja, para chegar a sua casa, as pessoas que não conhecem caminhos alternativos têm que passar no meio da favela e Renato descobriu isso da pior maneira.

Guiando-se pelo GPS do celular e ciente do que encontraria no entorno, o rapaz foi adentrando no bairro cada vez mais pobre. Passou por ruas estreitas, vielas em que havia pessoas caminhando sem preocupação pelo meio da rua, locais onde os carros estacionavam na calçada tranquilamente dos dois lados da rua, desafiando a perícia automobilística do motorista a cada curva. Numa dessas, Renato assustou-se com um carro e jogou o seu para cima de um terceiro que estava estacionado. Quebrou o retrovisor deste e arranhou boa parte da lateral do seu. E isso era o de menos.

- Tá maluco, irmão?! - Gritou de longe o dono do veículo avariado, abusando da postura de malandro paulistano.

- Desculpa. O carro do lado abriu a porta e, no reflexo, desviei para cima do seu. Errei. Vou pagar o conserto.

- Qualquer 500 conto já acerta a parada agora, então.

Se foi piada ou extorsão, Renato não soube diferenciar. Preferiu fingir que o rapaz falava sério.

- Amigo, não tenho dinheiro na carteira, muito menos 500 reais. Se tivesse loja automotiva aberta hoje, levaríamos seu carro lá agora e já acertaríamos isso, mas não tem. Posso te passar meu número de celular e a gente resolve isso amanhã.

- Firmeza jão, mas já anotei sua placa. Vou confiar em você e pá, mas não dá mancada senão o bicho pode pegar.

Tentando transparecer calma, nosso protagonista passou seu número e pegou o do maloqueiro indignado. Quando entrou em seu carro de volta para seguir viagem, permitiu-se tremer e colocou música alta para desestressar.

Quando chegou em frente ao condomínio da Senatore, foi recebido na porta por ela, que saía para comprar arroz e desistiu para subir com o recém-chegado. Já lá dentro, na companhia da dona da casa e da namorada dela, Camila, contou o ocorrido de instantes atrás e entre risos e surpresa, foi informado que há um caminho seguro (um pouco mais comprido, de fato) para chegar ali. Pois é, quem sabe na próxima...

Em pouco tempo, Carla deu as caras e os quatro trataram de almoçar e pôr o papo em dia. Falaram principalmente do tema central do encontro: como estava sendo viver fora da casa dos pais. Ali, Camila contou que ainda não tinha saído de casa na prática, mas seu apartamento estava quase pronto. Senatore explicou que, por estar desempregada e estudando para concurso, seu maior trunfo era a privacidade, uma vez que os pais não interfeririam em seu dia-a-dia e não fariam perguntas incômodas a respeito de sua "amizade" com Camila (em um padrão tipo "Don't Ask, Don't Tell", os pais dela fingiam não saber da homossexualidade da filha).

Renato se deu conta, naquela hora, que nenhum dos três de fato tinha cortado os laços integralmente. Uma vivia com a mãe ainda, mas fixada com a tentação de sair. A outra vivia em casa diferente, mas era sustentada pelos pais. Ele ainda tirava vantagem de situações que dependiam da vida com a mãe, como ter onde lavar sua roupa, estendê-la e ter alguém para passá-la. Só o tempo dirá quem cortará totalmente o cordão primeiro.

Finda a refeição e arrumada a cozinha, o quarteto partiu para o apartamento de Renato, uma visita formal apenas para se conhecer o espaço físico. Como atração, mostrou a ausência de lavanderia e a vaga para o carro que ficava atrás do pilar e exigia uma destreza extra para colocar e tirar seu veículo dali.

A terceira e última parada foi o apartamento em reforma de Camila. O imóvel era novo, havia sido entregue pela construtora poucos meses atrás. Lá dentro, o cheiro de tinta e o plástico bolha em todos os eletrodomésticos mostravam que o esforço de transformar ali em um lar ainda não havia se encerrado. Também foram rápidos neste pit-stop, principalmente porque estava se aproximando o horário de Renato ir embora.

De volta ao apartamento da Senatore, pelo caminho que o rapaz observou e realmente notou ser mais seguro, ele pegou seu carro e voltou para a casa de Alice. A moça continuava com um humor frágil e levemente introspectivo, além de não ter perguntado um "A" sobre o dia do namorado. A solução pensada por ele foi colocar algo de humorístico na TV e relaxar. Deu certo; enquanto viam uma peça do "Melhores do Mundo" via Netflix, ambos riram e se dispuseram mais, com o que veio o sono de fim de dia a reboque. Ir com o corpo do sofá para a cama foi uma evolução natural, mesmo que antes da meia-noite.