A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Amnésia (01/12/2015)

Assim que saiu de casa, como é de costume, Renato olhou no relógio e notou que estava mais de 20 minutos atrasado em relação ao horário regular cotidiano. Refletiu e não notou como conseguiu se atrasar tanto, mas também não se preocupou muito com o fato e partiu de ônibus para o escritório.

Uma vez no trabalho, não teve grandes problemas para fazer em paz o que precisava. Mateus estava mergulhado em outros assuntos e preso a uma sala de reunião. Laura foi para o escritório do interior e não o chamou no comunicador interno da empresa. Até Andressa demorou para aparecer nesse comunicador na manhã, ao contrário do que costuma fazer assim que o rapaz chegar. Aproveitando-se dessa calma, Renato resolveu ajustar seu planejamento orçamentário para o fim de ano, incluindo gastos com o décimo terceiro salário e ajustes em suas poupanças.

No almoço, foi sozinho a um restaurante japonês ouvindo um podcast de economia e política para distrair a cabeça. Alimentou-se bem, incluindo um pequeno pote de sorvete Ben & Jerry's de chocolate. Voltou concentrado para o segundo round e manteve o ritmo desacelerado, mas contínuo, de produtividade.

Se não fosse o horário de verão, o sol estaria se pondo quando Renato chamou Alice por mensagem de celular para combinarem o fim do dia. No domingo à noite, depois de assistirem "O Grande Truque" de Christopher Nolan e vendo o interesse da namorada em filmes com plot twists interessantes, ele recomendou a ela o filme "Amnésia", do mesmo diretor. Pré-acertaram assistirem nesta terça à noite e estava sendo checada a aderência da moça à ideia.

Conforme ela citou, terça-feira é dia do rodízio do seu carro, o que implica que o veículo só poderá sair da garagem pouco antes das oito na noite. Com os cronogramas sincronizados levando em conta esse detalhes, Renato estendeu o expediente um pouco mais, aproveitando a sensação de utilidade que sentia naquele momento, e encontrou-se com Alice na frente de sua casa pouco antes das nove.

Juntos, tomaram um "café-da-noite" e conversaram um pouco. Ela contou que uma amiga sua casada estava brigada com o marido por questões típicas de relacionamentos matrimoniais (dinheiro, presença em casa, cuidado com a filha pequena...) e deu alguns pitacos, pelo que ele se sentiu a vontade para fazer o mesmo. Cabe ressaltar uma frase que ela disse e o colocou reflexivo:

- Li uma vez uma psicóloga que disse que, em 50 anos, todos os paradigmas de família que vemos hoje terão caído. Não haverá mais casamento como vemos hoje, morar junto para sempre, monogamia estável, etc. Quero estar morta até lá se o mundo caminhar para isso.

- Bom, olhe 50 anos pra trás, em 1965. Não se fazia sexo fora do casamento de forma aberta, não se beijava na boca na rua, não se ia para festas como vamos hoje. É como você disse, quebra de paradigmas. Eu faço questão de estar vivo pra assistir. - retrucou sem criar animosidades.

- Diria mais, - ele complementou, - desde que me deem netos, meus filhos podem agir como quiserem nesse ponto.

E ela:

- Ah, bom! Também acho!

- Seus filhos? Tem certeza? - dessa vez ele foi provocativo.

- Sim, ué. Só acho que não funciona para mim. - ela encerrou o assunto, deixando a tréplica guardada na cabeça de Renato, sem que ele dissesse se funcionaria para si ou não.

Do bate-papo, seguiram para a cama para ver o filme. A película trata de um rapaz que sofreu um acidente e tem perda de memória recente. Para refletir isso, as cenas são em ordem anti-cronológica, com as cenas futuras sendo mostradas antes e o filme terminando na primeira cena temporal. Provavelmente não fui claro o suficiente na explicação, mas recomendo a todos que vão atrás para assistir porque vale a pena (tem no Netflix).

Alice achou o filme muito pesado para ser acompanhado, "exige muita atenção e me cansa". Ainda assim, classificou-o como "bom filme", para a alegria do namorado, que fez a recomendação. Ao fim do longa, já perto da uma da madrugada, foram dormir cada um a sua maneira: ela esparramada com o edredom jogado ao lado e ele escondido embaixo dessa mesma peça de enxoval, como quem está em frio polar.