A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Balanço de um mês (17/11/2015)

Os olhos abriram e só. O corpo não se mexeu; não conseguia se mexer. Tudo doía depois do treino de jiu-jitsu de ontem. Levantar foi um processo, mais do que um ato.

O banho morno fazia todos os músculos das costas tremerem de forma esquisita antes de relaxarem. A mesma água sobre as juntas dos dedos esfoladas trazia ardor e incômodo. Renato, contudo, parecia satisfeito com aquela situação.

No espelho, ao se fitar escovando os dentes, viu as marcas sobre o olho e no pescoço. Procurou e achou mais delas por todo o corpo. Saiu de casa mancando e feliz.

Apesar de o corpo estar avariado, a mente descansada deu o melhor de si no escritório. Até dar a hora do almoço, voou como pôde entre planilhas e relatórios. Pouco depois do meio-dia, comeu o risoto que tinha sobrado do almoço com a mãe no final de semana e voltou para a sua mesa, a continuar com a excelente produtividade que desempenhara na manhã.

Já no fim do expediente, trocou mensagens com Alice e eles combinaram de se encontrar quando ambos tivessem saído dos respectivos trabalhos. O ponto de encontro foi a padaria a três quadras do apartamento do rapaz, onde sempre iam quando a geladeira e o armário da cozinha dele estavam vazios.

Enquanto aguardavam seus pedidos chegarem, a namorada de Renato propôs algo inusitado, prontamente aceito: dormiriam em um motel, para aproveitar a banheira de hidromassagem. O rapaz já se deliciou ao imaginar imergir o corpo desgastado na água quente e relaxante, acompanhado da sua morena. Comeram seus pratos rapidamente e seguiram para o destino sugerido pela moça, o segundo melhor da cidade de acordo com um site especializado no assunto. (Sim, existem sites de ranking de motéis)

Escolheram uma suíte intermediária, que fosse agradável, tivesse hidromassagem, mas que não cobrasse por supérfluos que não seriam usados. Dentro do quarto, trataram de encher a banheira e se despiram enquanto a torneira fazia seu serviço. Namoraram por um tempo aguardando o ponto ideal de preenchimento da hidro, sincronizando os corpos e as mentes como um casal em plenitude.

Deu o momento e eles entraram na mini piscina que tinham feito. Deitaram um ao lado do outro e ficaram visivelmente relaxados. Os olhos devagarinho iam se posicionando a meia abertura e a respiração tomava ritmo sonolento. Antes que dormissem, contudo, Alice começou a falar:

- Vamos fazer um balanço desse mês juntos?

- Vamos... - Renato aquiesceu com a voz sussurrada. - Pode começar!

- Não, eu propus então você começa. - ela divergiu.

Depois de trabalharem para decidirem a ordem de quem falaria em primeiro lugar, Renato decidiu dar início ao papo. Foi bem sucinto, contudo, revelando que não tinha grandes esperanças quando primeiro entrou em contato com ela depois de tanto tempo sem notícias, mas se sentia bastante satisfeito e feliz por ter dado tudo certo. Concluiu dizendo que via seu ato de buscá-la como uma confirmação de que a amava e a queria por perto.

Alice respirou fundo antes de seu pronunciamento. Parecia buscar as palavras certas, ou tornar sentimentos em palavras e estas em frases inteligíveis. Renato aguardou pacientemente até que ouviu:

- Eu também fiquei feliz com você ter me procurado. Inicialmente, eu achei que não daríamos certo. Entretanto, resolvi tentar ficar com você mesmo assim, na esperança de você não ser o Lucas com quem eu terminei o namoro, mas o novo que você disse que havia se tornado. Eu não tenho dúvidas dos meus sentimentos. Aliás, nunca tive.

O discurso tocou o coração de Renato porque Alice não era afeita a se abrir dessa forma com regularidade. Ainda assim, a última frase que ela soltou disparou uma série de pensamentos filosóficos em sua cabeça e ele se pôs a refletir. "Nunca tive dúvidas"... Nem quando quis terminar? Ou estava certa do sentimento de raiva ou qualquer outro sentimento negativo? Nunca teve hesitações em nenhum dia dos mais de duzentos em que ficaram separados? As perguntas pululavam uma atrás da outra. Pela insistência da namorada, que via em seus olhos que o cérebro funcionava a todo vapor, ele dividiu o que pensava de forma bastante difusa e incoerente, até porque ainda a ideia estava muito verde em sua mente.

A moça entendeu mal. Interpretou a confusão que foi dita de forma negativa e reagiu raivosa. Renato ainda tentou consertar, mas ainda estava em partes dentro de si mesmo. Era como uma pessoa tentando ajudar outra na rua, mas pela janela de casa, sem ir à calçada ou ao quintal. Por fim, pediu desculpas a ela pelo mal-entendido, fechou a cortina e permaneceu dentro de casa, ainda a maquinar.

Com o clima comprometido, restou-lhes o silêncio. A música de fundo, que estava bem baixa para que pudessem conversar, subitamente virou um protagonista murmurante a preencher o quarto com seu som.

Alice saiu primeiro da banheira quando a água já começava a ficar em temperatura corporal, seguida pelo namorado. Tomaram uma ducha juntos falando amenidades e foram dormir abraçados. Os corpos encostados ali eram a imagem diametralmente oposta das ideias que viajavam pelas cabeça, cada uma imersa em seus próprios pensamentos. Parou-se a música e o silêncio embalou o sono dos dois.