A vida de Renato, contada quase diariamente por seu biógrafo favorito

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Jogos Vorazes (24/11/2015)

O que deveria parecer uma rotina acabou sendo quase uma novidade para Renato naquela manhã. Tomar banho em seu banheiro, arrumar-se sozinho em seu apartamento, preparar o próprio café da manhã e sair de casa. Esse conjunto de atividades, todas juntas no mesmo dia, não era executada pelo rapaz havia um bom tempo.

Foi pro trabalho ouvindo um bom podcast e dedicou a manhã a afazeres pessoais, além de resolver pequenas pendências simples do trabalho. Foi almoçar sozinho, lendo jornal no iPad. Pela tarde, além de focar no trabalho mais intenso, combinou de pegar um cinema com Alice e de dormir na casa dela, já que viajará amanhã a tarde para Brasília pelo aeroporto de Guarulhos.

Para dar tempo de chegar à sessão escolhida por eles, Renato saiu uma hora mais cedo do escritório e rumou de ônibus para seu apartamento. O tempo de espera somado dos dois ônibus que tem que pegar não passou de um minuto, prenúncio de um fio de sorte sobre o trânsito. Em casa, depois de arrumar a mala para a viagem do dia seguinte, foi de carro para Guarulhos e demorou o que normalmente demora em um fim de semana tranquilo. Definitivamente aquele dia parecia sorrir-lhe com ternura. Ele só saberia que era um riso de escárnio mais tarde.

Ao chegar no condomínio da moça, teve que subir porque ela ainda não estava pronta. Tinham tempo sobrando, uma vez que o que Renato estimou como tempo de deslocamento foi maior do que o que de fato ocorreu. Alice terminou seus preparativos e o casal seguiu para o shopping, vendo que ainda tinham tempo para uma refeição breve antes do filme.

Não havia terminado a segunda quadra que passavam de carro quando Alice disse:

- Rê, na semana em que você estará todos os dias no interior, será feriado na terça aqui em Guarulhos. Pretendo ir pra São Carlos, na casa de uma amiga, tudo bem?

Daqui duas semanas, Renato fará essa viagem citada a trabalho.

- OK, sem problemas. Você vai quando?

- Pensei em ir no sábado a tarde. A gente almoça juntos e depois eu pego a estrada.

- Beleza...

Por alguns instantes, Renato pensou como poderia ocupar o fim de semana sem a companhia da namorada e, em um estalo, lembrou-se que no sábado citado estaria ocorrendo um grande festival de música eletrônica em São Paulo, que ele até havia convidado Alice, mas ela declinou argumentando que não gostava de festivais (o que implicava em ele não ir ou arrumar uma grande confusão).

- Ow, acabou de me ocorrer!... Quão incomodada você ficaria se eu fosse àquele festival de música eletrônica de que te falei, já que você não estará por aqui?

- Bom, Rê! Quer ir, vai! Faz o que você achar que deve fazer! - respondeu a namorada em tom de desconforto e irritação. Isso já foi um soco no fígado de Renato, que tentou argumentar positivamente.

- Estou perguntando quão incomodada você ficaria. Você não respondeu minha pergunta. - ele também subiu o tom um pouco.

- Bastante incomodada!

- OK, viu como é simples responder?! Eu não irei, pronto. Resolvido...

E o silêncio imperou no carro até a chegada deles no destino.

Na cabeça de Renato, uma tristeza com a situação toda se abatia. Esse era o terceiro evento a que Alice iria sem convidá-lo ou considerar sua presença, pelo que ele realmente não se chateia. Contudo, puxando pela memória, ele é capaz de se lembrar que algumas das principais brigas da primeira época de namoro foi porque ele fazia a mesma coisa e ela reagia de forma intensa. O rapaz decidiu que iria ruminar a situação ao invés de relevá-la. E isso não é um bom sinal.

No shopping, compraram os ingressos e, com os 25 minutos de intervalo que tinham até a sessão começar, foram comer algo na praça de alimentação. O papo foi voltando aos poucos, sem que a viagem ou o festival entrassem na pauta. A extensão do filme, de duas horas e pouco, também ajudou a acalmar os ânimos.

O casal saiu de um shopping vazio e Renato sentia um vazio semelhante em si. Sua cabeça estava em velocidade máxima pensando sobre tudo o que envolvia um relacionamento entre duas pessoas e sua tagarelice característica foi contida. Se percebeu ou se ficou incomodada, Alice não falou.

Dormiram fisicamente juntos, mas Renato preferiu ficar dentro da própria mente dividindo espaço com a notícia da viagem de Alice.